De tempos a tempos ouvimos pessoas criticarem a interlíngua, dizendo que «é demasiado europeia para ser uma língua internacional». É verdade que a gramática da nossa língua é demasiado europeia e que o seu vocabulário, exceptuando poucas palavras – como mandarin, the, geisha, jujutsu, harakiri, zen, etc. –, é quase greco-latino na sua totalidade. No entanto, será a interlíngua um idioma apenas para a Europa? A resposta correcta é não. A interlíngua, apesar da origem europeia dos seus elementos, é capaz de desempenhar um papel extra-europeu.
Primeiro, deve-se ter em conta que a interlíngua é baseada em quatro línguas de controlo de uma elevada importância na civilização europeia: inglês, francês, italiano e espanhol (com o português), tendo o alemão e o russo como complementares. Daí, ser ideal como língua-ponte entre pessoas que falam estas línguas. Segundo, as línguas de controlo não se restringem ao seu uso europeu. As Américas não conhecem outras línguas para além do inglês, francês, espanhol e português. Também em África as línguas inglesa e francesa desempenham um grande papel e na Índia as pessoas cultas ainda usam o inglês depois de quarenta e dois anos após a concessão da sua independência da Grã-Bretanha. Na Austrália fala-se inglês como língua-materna. Portanto, uma língua greco-latina pode ser considerada como uma língua mundial.
Mas seria possível construir uma outra língua planificada fazendo concessões às línguas chinesa, japonesa, malaia e árabe? Isto é muito duvidoso. Entre a multidão de línguas auxiliares propostas no passado, quase todas possuem uma base europeia.
É verdade que o volapük tinha um ar exótico; no entanto, um exame atento das suas palavras demonstra que, embora horrivelmente mutiladas, elas são de origem europeia. Também o esperanto é completamente europeu: uma mistura de palavras francesas, inglesas e alemãs, com poucas palavras provenientes do russo, latim, grego, etc. Mesmo as palavras não familiares são, realmente, europeias. Por exemplo, edzo (marido), é uma retro-formação da palavras judaico-alemã rabedzin, e vostro (cauda) é o resultado da mutilação do russo kyost. A língua experimental interglossa, publicada em 1943, durante a II Guerra Mundial, pelo professor Lancelot Hogben, possuía um vocabulário greco-latino (especialmente grego), mas para agradar aos povos não europeus, ela tinha uma gramática e sintaxe artificial e muito engenhosa. Não sei se este sistema é fácil para os chineses, ma a verdade é que ele é difícil para os europeus, devido à impossibilidade de se traduzirem textos de qualquer língua europeia para interglossa sem se reconstruírem todas as frases e todas as palavras compostas.
No seu livro One Language for thr World (Uma Língua para o Mundo), Mario Pei cita a opinião do Dr. Alexander Gode sobre este tema. Gode começa por escrever uma frase em interlíngua:
Le sol dice: «Io me appella sol. Io es multe brillante. Io me leva al est, e quando io me leva, il es die. Io reguarda per tu fenestra con mi oculo brillante como le auro, e io te dice quando il es tempore a levar te. E io te dice: Pigro, leva te. Io non brilla a fin que tu resta al lecto a dormir, sed que tu te leva e labora, que tu lege, e que tu te promena».
[O sol diz: «chamo-me sol. Sou muito brilhante. Nasço no Este, e quando me levanto é dia. Olho pela tua janela com o meu olho brilhante como o ouro e digo-te quando é a altura de te levantares. E digo-te: levanta-te, preguiçoso. Não brilho para que permaneças na cama, a dormir, mas para que te levantes e trabalhes, para leres e para passeares».]
Posteriormente, ele reconstrói esta passagem substituindo a maior parte das palavras por novas palavras vindas do chinês, japonês, persa, malaio, árabe e hindu. Eis o resultado:
Mata-hari yu: «Wo-ti nama mata-hari. Wo taihen brillante. Wo leva wo a est, dan toki wo leva wo, ada hari. Wo mira per ni-ti fenestra sama wo-ti mata brillante como kin, dan wo yu ni toki ada tempo a lavar ni. Dan wo yu ni: Sust, leva ni. Wo non brilla sam-rap ni tomaru a toko a nemru, sed wo brilla sam-rap ni leva ni, dan que ni saru kam, ni yomu, dan ni aruku».
A nova língua é eminentemente neutral, embora elegante e eufónica. Será útil? Infortunadamente, não. Claro, ela é difícil para os europeus porque as únicas palavras familiares que possui são es brillante, est, levar, fenestra, tempo, etc. Mas ela também é difícil, de igual modo, para os não europeus, porque os chineses apenas compreenderiam as palavras chinesas wo-ti, ni, e yu, os japoneses taihen e nemuru, os malaios mata-hari e sam-rap. Para resumir, as línguas japonesa, chinesa, malaia, hindu e árabe possuem em comum poucas palavras - naturalmente científicas -, que beberam das línguas ocidentais.
Portanto, uma língua constituída por elementos pan-globais não possui praticamente nenhumas vantagens sobre uma língua como a interlíngua, formada a partir das línguas da Europa. Então, será que os japoneses, chineses, etc., devem ser excluídos dos benefícios de uma língua auxiliar internacional? É evidente que algumas vantagens da interlíngua lhes estão vedadas. Nós não poderíamos escrever a um japonês monoglota em interlíngua esperando sermos compreendidos. Para os asiáticos, árabes e russos a interlíngua só é compreensível após algum estudo. Todavia, este estudo vale bem a pena. Em primeiro lugar, a interlíngua é uma boa introdução à mentalidade europeia. Regular e simples, ela fornece ao estudante a quintessência da estrutura e vocabulário das línguas ocidentais, livre das complicações regionais. Depois de ter aprendido interlíngua, o estudante oriental pode servir-se dela para comunicar com franceses, italianos, espanhóis, e com ingleses e americanos se tiverem inteligência linguística q.b. para a compreenderem.
Naturalmente que aprender interlíngua sozinho é mais fácil do que aprender francês, espanhol, italiano e inglês, mas se o nosso asiático quiser aprender as outras línguas europeias, verificará que a sua mestria em interlíngua facilitará muito o seu progresso nesses estudos.
Em suma: o carácter europeu da interlíngua não veda a sua utilização aos asiáticos. Este facto não tem nada de surpreendente, já que os asiáticos têm frequentemente beneficiado das descobertas e invenções ocidentais. Eles possuem (e os próprios fabricam e exportam) linhas de caminhos-de-ferro, canhões, automóveis, telefones, máquinas fotográficas, computadores, etc. Na China, as autoridades substituíram mesmo as ideias de Confúcio pelo marxismo, uma filosofia essencialmente ocidental. De igual modo, ousamos esperar que no futuro estes povos se sirvam da interlíngua para comunicarem com os países ocidentais.
[Tradução de um artigo de Brian Sexton publicado em Lingua e Vita, No. 30, 1975 e No. 62, Januario-April, 1988.]
29 Jan 2010
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